Viagens de Grupo

Voltas ao Mundo que Ficaram para a História

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Voltas ao Mundo que Ficaram para a História

Ao longo da história inúmeros grupos e pessoas completaram viagens em redor do mundo. Seria impossível apresentar uma lista completa num artigo desta natureza. Mas vamos seleccionar os mais significativos, começando pela segunda viagem de circum-navegação, a que se seguiu à proeza da frota de Fernão de Magalhães.

Francis Drake conseguiu capitanear do início ao fim uma viagem à volta do mundo, a bordo do Golden Hind. Largou em 1577, com o apoio da rainha Elizabeth, planeando contornar a América do Sul e flagelar as colónias espanholas na costa ocidental daquele continente. A frota era constituída por cinco navios de pequenas dimensões, mas conseguiu apresar um galeão espanhol com um imenso tesouro a bordo. Francis Drake Chegou a Plymouth a 26 de Setembro de 1580, onde a própria rainha se deslocou para o armar cavaleiro.

No ano em que Drake completou a sua viagem, partia de Cádiz o franciscano Ignacio de Loyola, para uma viagem de circum-navegação. Imagine-se a aventura que era naqueles tempos uma viagem assim… o tempo que se demorava, os riscos imensos que se corriam… mas nada disto deteve o padre franciscano. Depois de uma primeira paragem nas Canárias, atingiu Porto Rico, seguiu para o México e desafiou o Pacífico. Visitou as Filipinas, chegou à China onde foi considerado espião e feito prisioneiro. Esteve um ano retido mas acabou por ser libertado e enviado para Macau. Deambulou pelo Japão antes de iniciar a viagem de regresso à Europa, onde chegou em 1584.

Mas Loyola não se ficaria por aqui. No ano seguinte partiu de novo, para uma nova viagem volta ao mundo, desta vez no sentido inverso, tornando-se o primeiro ser humano a fazer duas destas viagens, e logo em direcções opostas.

No século XVII há registo de nove viagens de circum-navegação, sendo que cinco delas partiram da Holanda. Destas, destaque-se a de Francesco Carletti (entre 1594 e 1602), a primeira feita por alguém como mero passageiro, e a de Pedro Cubero (de 1670 a 1679) por incluir extensas etapas por terra.

No século seguinte verificaram-se 14 viagens marítimas em redor do mundo. William Dampier tornou-se na primeira pessoa a concluir três circum-navegações. Jeanne Baré, disfarçada de homem, integrou-se na expedição liderada por Louis de Bougainville, sendo a primeira mulher a contornar o globo terrestre, o que aconteceu entre 1766 e 1799. E de 1787 a 1790 Robert Gray comanda a primeira expedição com saída da América do Norte.

No século XIX, 19 viagens por mar em redor do mundo. Foi uma época de estreias nacionais, com os seguintes países a enviarem navios para expedições deste tipo: Rússia, Argentina, Estados Unidos da América, Dinamarca, Peru e Áustria (naquela altura o império Austro-Húngaro tinha acesso ao mar). Entre 1831 e 1836 o HMS Beagle viajou em redor da Terra, sob o comando do capitão Fitzroy e com um notável passageiro a bordo: Charles Darwin. A expedição viria a ter um papel preponderante na carreira científica deste jovem naturalista, que manteve um diário de viagem, mais tarde publicado com o título The Voyage of the Beagle.

Em 1881 o rei Kalakua, das ilhas do Havai, tornou-se o primeiro monarca a concluir uma viagem à volta do mundo. Três anos depois, Thomas Steven deu a volta ao mundo em bicicleta, apesar de boa parte da distância ter sido vencida com a ajuda de navios. Em 1889 Nellie Bly transformou em realidade a novela de Jules Verne, a Volta ao Mundo em 80 Dias. Melhor, fê-lo em apenas 72 dias, usando navios a vapor e comboios, e estabelecendo um recorde absoluto.

No século XX as viagens individuais perderam significado histórico. Tornou-se demasiado fácil, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e o estabelecimento de um número cada vez maior de rotas aéreas comerciais. Mas mesmo assim algumas viagens tornaram-se notáveis pelo pioneirismo envolvido.

Foi o caso da travessia de Clärenore Stinnes (alemã) e Carl-Axel Söderström (sueco), que se tornaram nas primeiras pessoas a fazer a volta ao mundo de carro. Mas em meados dos anos 20, com a tecnologia existente e a falta de assistência técnica, isso seria uma tarefa muito mais complicada do que nos dias de hoje.

A viatura não sofreu nenhuma adaptação ou preparação especial para a prova que viria a enfrentar. Tratava-se de um simples carro Adler Standard 6. Para a viagem os participantes contaram com o apoio da Adler, da Bosch e da Aral, levando consigo um veículo de apoio carregado de peças e equipamento, tripulado por dois mecânicos.

O percurso iniciou-se na Alemanha, tendo prosseguido pelos Balcãs, com chegada à Síria. Seguiu-se o actual Iraque e o Irão, de onde a equipa rumou a Moscovo. Na capital soviética os mecânicos abandonaram a expedição e o par de aventureiros prosseguiu sozinho pelo coração da Sibéria, passando junto ao lago Baikal e cruzando o deserto de Gobi. Atingiram Pequim, embarcando com o seu carro com destino ao Japão.

O Pacífico foi cruzado, com paragem no Hawai e chegada à América do Sul. Passaram por Lima, atravessaram os Andes e chegaram a Buenos Aires, subindo para norte até à América Central. Fizeram a “road trip” dos Estados Unidos, de sul para norte, visitando Vancouver e fazendo então a viagem até à contracosta. Foram recebidos pelo presidente dos EUA, Herbert Hoover, e embarcaram em Nova Iorque para o regresso à Europa. Chegaram a Le Havre, de onde conduziram até Berlim, onde chegaram a 24 de Junho de 1929. Fizeram 47.000 km.

Como numa história de Hollywood, depois do regresso Carl-Axel Söderström divorciou-se e casou com Clärenore. Os dois viveram na Suécia, onde tiveram três filhos e morreram de idade avançada (ele com 82, ela com 96 anos).

Em 1980 o canadiano Rick Hansen, condenado a uma vida em cadeira de rodas na sequência de um acidente de viação, decidiu dar a volta ao mundo. Inspirou-se no exemplo do seu compatriota Terry Fox, que, amputado de uma perna devido a um cancro de osso, iniciou o projecto Marathon of Hope, correndo desde a Terra Nova até Vancouver. Não conseguiu, devido ao alastramento do cancro, mas fez Hansen embarcar numa aventura talvez maior.

Iniciou a sua Man in Motion World Tour a 21 de Março de 1985, partindo de Vancouver. A sua partida foi discreta, mas à medida que avançava os meios de comunicação social abraçaram o projecto e a cobertura que necessitava foi chegando. A viagem de Hansen cobriu 34 países, demorando 26 meses. Quando entrou no BC Place Stadium, a 22 de Maio de 1987, tinha percorrido mais de 40.000 km e era aguardado por uma multidão em delírio.

A sua aventura deu origem ao filme Heart of Dragon (2008) e o tema musical St. Elmo’s Fire (Man in Motion) que se tornou famoso com o filme St. Elmo’s Fire (1985), foi escrito em sua honra por John Parr.

Robert Garside – a correr em redor do mundo

Robert Garside, inglês, tornou-se na primeira pessoa a correr em redor do mundo. Depois de duas tentativas falhadas, arrancou de Nova Deli na Índia para a bem sucedida prova. A partida deu-se a 20 de Outubro de 1997 e Robert seguiu, correndo, pelo Tibete e pela China, onde esteve preso durante algum tempo devido a problemas com a sua documentação.

Voa para o Japão, que atravessa de ponta a ponta, antes de nova ligação aérea para a Austrália onde acrescenta uma quantidade substancial de quilómetros às suas solas. Mais um avião apanhado, desta vez para a extremidade sul do Chile, onde inicia uma morosa travessia de todo o continente americano que completa com a ajuda de dois voos.

De Nova Iorque segue por avião até à África do Sul. A ideia é correr pelo continente em toda a sua extensão, mas dão os ataques do 11 de Setembro e apanha um avião para Marrocos. Corre pela Europa, contornando-a por sul, até chegar à Turquia. Outro avião para o Egipto onde tentará de novo atravessar a África, sem sucesso. De novo por via aérea chega a Moçambique, onde corre “um pouco”, de forma simbólica. Parte para a sua etapa final, na Índia, onde termina a 13 de Junho de 2003.

Os detalhes da travessia, assim como fotografias e comentários de Robert Garside, podem ser vistos no website oficial do “Runing Man“.

Dumitru Dan: a primeira viagem em redor do mundo a pé

Entre 1910 e 1923 o professor romeno Dumitru Dan fez a primeira volta ao mundo a pé. Claro que para o conseguir teve que atravessar dois oceanos, mas mesmo quando estava a bordo, caminhava incessantemente no convés. A viagem foi promovida pelo Touring Clube de France que ofereceu um prémio de 100.000 francos a quem conseguisse a proeza. Na altura Dumitru e mais três compatriotas, Paul Pârvu, George Negreanu e Alexandru Pascu, eram jovens estudantes que frequentavam a universidade em Paris e decidiram aceitar o desafio.

Regressaram à Roménia para reunir informação e meios e para iniciar um regime de treino de caminhada. Aprenderam a tocar flauta e a dançar o folclore do seu país. Pretendiam ganhar a vida ao longo da viagem oferecendo espectáculos tradicionais da Roménia. Partiram em 1910, levando um cão, Harap, com eles. No ano seguinte, de passagem por Bombaim, foram convidados pelo rajá para um opulento repasto. Terminada a refeição três dos amigos partiram em busca de mantimentos para o trajecto seguinte da viagem. Alexandru Pascu ficou. Foi a última vez que o viram com vida. Morreu com uma overdose de ópio.

George Negreanu faleceu dois anos depois, quando os três amigos atravessavam uma região montanhosa na China. Caminhava à frente, não se apercebeu de uma fenda no trilho que percorriam e caiu entre as rochas. Foi resgatado pelos amigos mas levado ao hospital acabou por morrer sem ser visto por um médico. Por fim, Paul Pârvu não resistiu à viagem. Os maus tratos infligidos pelos anos de marcha consecutiva conduziram a gangrenas que por fim forçaram a uma amputação das duas pernas. Estavam na altura em Jacksonville, na Florida. Paul Parvu por lá ficou com o cão do grupo, mas acabou por falecer em Maio de 1915.

Apenas Dumitru consegui chegar ao fim. Teve que interromper a viagem em 1916, devido à Primeira Guerra Mundial, mas terminaria o desafio em 1923. Tragicamente a inflação devorou uma boa parte do valor do prémio. Feita uma equiparação com o dinheiro dos nossos dias, a oferta inicial rondaria os 500.000 Euros. Mas quando Dumitru Dan recebeu a verba, esta não valeria mais do que 40.000 Euros.

No século em que vivemos actualmente, ficam registadas as viagens mais bizarras: Mike Golding fez duas viagens de circumnavegação sem intervalo, uma em cada direção (2001). Entre 2010 e 2012 o Planet Solar, uma embarcação suiça cujas necessidades energéticas são totalmente cobertas pelo aproveitamento dos raios solares, tornou-se o primeiro veículo assim movido a dar a volta ao mundo. Entre 2011 e 2012 Laura Dekker navegou as águas do Planeta numa viagem de circum-navegação a solo… quando iniciou a aventura tinha apenas 14 anos. Entre 2008 e 2011 o japonês Minoru Saito conseguiu uma proeza idêntica, no extremo oposto da escala, tornando-se a pessoa mais idosa, com 77 anos, a fazê-lo.

Segundo o seu registo, terá cruzado cinco continentes, setenta e seis países, mil e quinhentas cidades. E para tudo isto usou precisamente 497 pares de sapatos.

Dumitru Dan foi o primeiro de um exclusiva lista de doze nomes que cruzaram o mundo caminhando.

A Expedição Transglobo

De todas as voltas ao mundo, esta teve um significado especial: foi a primeira, e talvez a única, que fez a circum-navegação de norte para sul, atravessando os dois pólos. Ainda por cima, imagine-se, sem recorrer a meios aéreos!

A odisseia iniciou-se em 1979, quando os aventureiros britânicos Ranulph Fiennes e Charles R. Burton partiram de Greenwhich rumo ao Pólo Sul.

Ranulph Fiennes, um antigo militar da força de élite britânica SAS, inspirado numa ideia da sua esposa Ginny, tinha começado a planear a viagem em 1972, reunindo os patrocínios necessários para a expedição.

A viagem procurou sobretudo alcançar o objectivo, inédito, de circum-navegar a Terra de Norte para Sul, e por isso a maior parte da travessia fez-se no Benjamim Bowring, um veterano das andanças polares. O navio, de 65 metros de comprimento, construído em 1952 e usado nas filmagens de Hell Bellow Zero, um filme de 1954 inspirado no livro The White South.

Mas para começar a viagem, o mais simples: o grupo atravessou a Europa, conduzindo através da França e de Espanha, cruzando para África, atravessando o Saara e embarcando no navio em Abdidjan. A próxima paragem seria na África do Sul.

A 22 de Dezembro o Benie Bee, como era conhecido pelo pessoal do projecto, zarpou rumo à Antárctida. Chegaram a 4 de Janeiro à base sul-africana SANAE III, desembarcando todo o material que a equipa necessitaria para atravessar o continente gelado. Apesar do número reduzido de elementos, sempre eram 200 toneladas de carga, que seriam transportadas em motas de neve até à primeira base, localizada sensivelmente em 72 55’S 3 29’W, a cerca de 290 km da costa.

Ali construíram quatro abrigos precários, feitos de papelão, apenas com uma fina camada de isolamento. Teriam que servir para suportar o rigoroso inverno polar. Um dos abrigos serviria como habitação comum, o segundo abrigaria um gerador, um outro seria a sala de rádio e o último abrigaria o equipamento VLF (Very Low Frequency).

Com a chegada do inverno os abrigos foram rapidamente cobertos de gelo e foram escavados túneis para armazenamento de abastecimentos e equipamento e para as deslocações entre os abrigos.
A estação passou-se com uma série de incidentes menores… pequenos incêndios, queimaduras de frio, intoxicações por monóxido de carbono, conflitos pessoais devido à convivência continuada num espaço reduzido… e, por fim, em Julho, o gerador sofreu uma avaria irreparável.

A 5 de Agosto o sol voltou a aparecer e com ele aceleraram-se os preparativos para a travessia do continente, que seria levada a cabo por apenas três pessoas: Ranulph, Oliver e Charles.
Partiram a 29 de Outubro, com Ollie, que os acompanharia até ao pólo, cada um numa mota de neve puxando um trenó carregado com 700 kg de carga. Chegaram à estação do pólo Sul a 14 de Dezembro, com três semanas de avanço em relação ao plano de viagem. Ficaram por ali até ao dia 23, prosseguindo a partir de lá, com os abastecimentos necessários a serem providenciados pelo apoio aéreo da expedição. A travessia da Antártida terminou a 11 de Janeiro.

Durante um par de semanas ficaram na base ali existente (Scott Base). O Bennie Bee chegou a 20 de Janeiro mas apenas em meados de Fevereiro partiram para a Nova Zelândia. A expedição organizou eventos a apresentações em Auckland e depois, já na Austrália, em Sidney, antes de navegarem para Los Angeles.

Vancouver foi a última paragem do grupo antes do ataque ao Árctico. Dali o navio navegou para a foz do Yukon, no Alasca.

A travessia do Pólo Norte pareceria teoricamente mais simples mas demasiadas coisas correram mal. Oliver decidiu abandonar a expedição, a pedido da sua esposa. A equipa que tinha cruzado o pólo sul via-se reduzida a dois elementos. Pouco depois descobriram que a formação de gelo tinha sido mais ampla do que o esperado nesse ano, e viram a sua passagem bloqueada, obrigado a um desvio considerável em torno da ilha Devon.

Chegaram ao fiorde Tanquary a 31 de Agosto, iniciando uma morosa travessia a pé até à base Alert, que atingiram quase um mês depois. Ali passaram o Inverno, aguardando durante cinco meses por condições que lhes permitissem atingir e ultrapassar o Pólo Norte. Deixaram o conforto relativo da base a 12 de Fevereiro, evoluindo inicialmente em duas motas de neve. Mas a progressão fazia-se demasiado lenta. Seguiram-se uma série de decisões e contra-decisões com que tentaram vencer o atraso que começavam a sentir. Passaram a usar uns trenós convertíveis para canoas, que lhes foram entregues por via aérea. A Bombardier enviou-lhes novas motas de neve, mas eram demasiado leves e tinha problemas para puxar os trenós. A equipa teve que resgatar as motas abandonadas. Com estas o ritmo melhorou… até que Ranulph caiu na água gelada com o trenó que puxava.

Os incidentes sucederam-se. Se antes o problema tinha sido a formação inesperada de gelo, agora verificava-se o contrário, com abertas na cobertura sólida que impedia os homens de progredirem.

Finalmente atingiram o pólo em Abril, seguindo-se o resto da travessia. O degelo acelerava e de repente viram-se isolados num bloco flutuante, que acabou por ser o seu transporte inesperado. Navegaram assim à deriva durante mais de três meses, antes de se reunirem as condições necessárias para serem recolhidos pelo Benjie Bee. A 4 de agosto, nas coordenadas 80 31’N 0 59’W, deu-se o reencontro. Estava basicamente concluída a primeira viagem de circum-navegação de norte para sul, restando uma rotineira viagem a Londres, onde chegaram a 29 de Agosto de 1982.

Narrativas detalhadas no site oficial da expedição Transglobe com muitas imagens, e no website oficial de Ranulph Fiennes.

As Viagens de Mike Horn

Em 1999 Mike Horn iniciou uma volta em redor do mundo, à latitude do equador. O respeito pela linha do máximo diâmetro do planeta não foi a única característica da sua viagem. Para além de seguir a rota mais complicada, sofrendo o clima e as dificuldades colocadas pela natureza à latitude zero, Mike fê-lo sozinho e com os seus próprios meios, sem recurso a transportes públicos e muito menos à via aérea.

Mike Horn, um sul-africano residente na Suíça, partiu da costa ocidental de África, velejando até ao Brasil. Atravessou esse imenso país, a pé, de bicicleta e de canoa, ultrapassando a inultrapassável Amazónia e transpondo os intransponíveis Andes, até chegar ao Equador, país.

A seguir faz a travessia do Pacífico, cruzando as ilhas maiores da Indonésia, enfrentando a selva de Bornéu e da Sumatra, até embarcar de novo no seu fiel trimaran de apenas 8 metros de comprimento. Do lado de lá do Oceano Índico encontrou a costa oriental de África, tendo pela frente a derradeira mas não mais simples etapa da sua aventura: a travessia de costa a contracosta do continente negro. Fê-lo sozinho e a pé!

Quando chegou ao ponto de partida, tinham decorrido dezoito meses. Estava concluída a Latitude Zero Expedition, um feito que o fez ser recebido em Roma pelo papa João Paulo II.
Se as características da viagem de circum-navegação de Mike Horn não fossem suficientes para o colocar nos anais dos exploradores do nosso planeta, o seu segundo projecto de enormes dimensões não deixaria dúvidas: uma segunda viagem de circum-navegação, desta vez de norte para sul, algo apenas conseguido uma vez no passado, pela dupla britânica Ranulph Fiennes e Charles R. Burton. Só que Mike subirá a fasquia do desafio, fazendo a viagem, ou pelo menos a travessia dos continentes polares, a solo.

No momento em que este artigo é redigido Mike encontra-se a meio desta enorme aventura, que poderá ser seguida no website oficial do explorador Mike Horn ou pelo seu Twitter. Com o apoio da Mercedes-Benz, cujo modelo Classe G utilizará nas etapas terrestres da viagem, e do seu veleiro Pangaea, Mike partiu das instalações do Yacht Club of Monaco velejando rumo à Namíbia. Dali cruzou o deserto, chegando ao seu país natal, a África do Sul, onde regressou ao Pangaea, navegando até à costa da Antártida.

Daqui para a frente só o futuro dirá o que sucederá, mas o plano é atravessar o continente gelado com esquis, navegar até à Nova Zelândia e Austrália, explorar a Papua Nova Guiné por via terrestre, cruzar para a Ásia, internando-se no centro do continente, vencendo a imensidão da Sibéria. No Kamchatka retornará ao seu veleiro, que utilizará para atingir o Árctico. Será mais uma travessia de esquis, mas Mike não terá oportunidade de descanso, pois logo de seguida terá que cruzar a Gronelândia, a maior ilha do mundo. Terminada esta etapa só lhe restará navegar no Pangaea até ao ponto de partida, o Mónaco.

Se o projecto Pole2Pole não fosse desde logo de uma exigência extrema, o que dizer quando descobrimos que Mike Horn, que se propõe a cruzar os dois continentes polares em esquis, conta já com cinquenta anos? O que sentirá este homem ao terminar uma aventura que fará dele a única pessoa com a experiência de duas viagens de circum-navegação, uma de norte para sul e outra de este para oeste?

A Volta ao Mundo na Literatura

A primeira referência literária a uma volta ao mundo remonta aos escritos do viajante grego Pausanias, que viveu por volta do ano 100, e que foi traduzido para o francês em 1797. Claro que o “mundo” de Pausanias não teria o significado dos dias de hoje. Seria o “mundo” clássico, limitado a parte da Europa, à bacia do Mediterrâneo e ao Próximo Oriente.

Em 1699 o aventureiro italiano Giovanni Francesco Gemelli Careri escreveu Voyage du Tour du Monde, publicado em França alguns anos mais tarde. Este será provavelmente o primeiro testemunho escrito de uma viagem à volta do planeta feita por motivos lúdicos, utilizando transportes públicos. O italiano oferece fascinantes relatos sobre o mundo setecentista, incluindo a exótica Pérsia, os territórios sob controle do Império Otomano, o distante Hindustão e mesmo a China.

Mas foi a partir da passagem do meio do século XIX que o conceito das viagens em redor do mundo se popularizou, graças a uma série de estruturas na área dos transportes que tornaram possível ao cidadão (quase) comum embarcar em tais aventuras.

Em 1853 o francês Jean Arago publica Voyage autour du monde. Em 1871 a Union Pacific Railroad Company edita Around the World by Steam, via Pacific Railway e nesse mesmo ano surge Around the World in A Hundred and Twenty Days, por Edmund Planchut. Entre 1879 e 1871 o norte-americano William Perry Fogg viaja em redor do mundo, registando as suas experiências e impressões numa série de cartas publicadas no jornal Cleveland Leader, impressas em livro com o título Round the World: Letters from Japan, China, India, and Egypt em 1872.

E 1872 foi um ano decisivo na História da Viagem em Volta do Mundo: Thomas Cook organizou a primeira viagem turística deste género, que demorou sete meses e que tem algumas passagens documentadas numa série de cartas que se tornaram públicas no ano seguinte com o nome Letter from the Sea and from Foreign Lands, Descriptive of a tour Round the World. Mas 1872 foi, acima de tudo, o ano em que Jules Verne publicou aquela que se tornará a obra mais marcante e mais famosa, uma fonte de inspiração para viajantes de sucessivas gerações: A Volta ao Mundo em 80 Dias.

A Volta ao Mundo na Televisão

Apesar de terem sido produzidos diversos programas televisivos com nomes e temáticas alusivos à volta ao mundo, a maioria limitou-se a aproveitar o vigor do conceito, limitando-se depois a episódios produzidos em diversos pontos do globo, mas sem um efectivo percurso sequencial.

É o caso de Around the World, de Arthur von Wiesenberger que, apesar do nome, não é mais do que um popular talk show de viagens, ou de Rev Runs Around the World, produzido pelo Travel Channel. Teoricamente o famoso Rev Runs viaja em redor do mundo com a sua esposa Justine e os filhos Russy e Miley, usando bilhetes de avião “em redor do mundo”. Os episódios são estanques, documentando os locais e não a viagem entre eles. E a sequência de episódios é aleatória, sem um percurso natural estabelecido.

Há contudo uma série televisiva, produzida em 1989, que se foca efectivamente na aventura da volta ao mundo. Trata-se de Michael Palin: A Volta ao Mundo em 80 Dias, um documentário produzido pela BBC e que alargou a fama de Michael Palin, um já reconhecido comediante e actor britânico, tranformando-o num dos escritores de viagens mais populares da sua geração.

A ideia da série foi pegar no clássico de Jules Verne e recriar os passos do ficcional Phileas Fogg, colocando Michael Palin no centro da acção como o explorador intrépido que, quase nos nossos dias, transforma em realidade o que o escritor francês criou na novela.

As condições colocadas a Palin foram as mesmas: 80 dias para dar a volta ao mundo sem utilização de meios aéreos. O que ele fez, procurando manter-se fiel à rota original de Phileas Fogg. Levou consigo uma equipa técnica de cinco elementos, que muito adequadamente ganhou o nome colectivo de Passepartout, uma referência ao fiel criado francês de Fogg.

Na série, de sete episódios, Michael Palin parte do verdadeiro Reform Club, na Pall Mall, em Londres, atravessando o canal da Mancha, seguindo por terra até Veneza, onde apanha um navio para Atenas. De lá prossegue, com uma paragem em Creta, atingindo o Egito. As aventuras reais sucedem-se. Em Insbruck a expedição tinha sido interrompida devido a uma greve dos trabalhadores ferroviários italianos e na Arábia Saudita a equipa perde a ligação prevista para Muscat, no Omã. Segue-se uma maratona diplomática e o grupo é finalmente autorizado a atravessar a Arábia Saudita de carro, uma jornada que é retratada na série apenas por uma série de imagens fotográficas.

No Dubai encontram um dhow – barco tradicional – que acede em levá-los até à Índia. Quando chegam a Bombaim sabem que estão uma semana atrasados em relação à viagem ficcional que pretendem recriar.

Depois de uma viagem ferroviária, chegam ao porto de Madras, onde não se revela fácil encontrar um navio que os transporte até Singapura. Por fim Palin chega a um acordo com um comandante jugoslavo, que aceita transportá-lo. Mas apenas um operador de câmara pode seguir viagem com ele.

Rumo a Singapura, Palin espera conseguir ainda apanhar o navio que deveria assegurar a etapa seguinte, até Hong Kong. Mas ao chegar a Singapura descobre que o tal navio já tinha largado ferros. Como num filme de Hollywood fretam uma lancha rápida que alcança o cargueiro em pouco tempo.

Depois de algum tempo de viagem na China, embarca para Yokohama, tal como Phileas Fogg, chega a Tóquio, onde passa uma noite num “hotel cápsula” – sinal dos tempos. No dia seguinte embarca num porta-contentores rumo à costa da Califórnia. Serão onde dias de tédio.

À chegada aos EUA recuperou algum tempo, encontrando-se atrasado apenas dois dias. Depois de alguns episódios espectaculares e de uma enervante corrida contra o tempo, chega a Nova Iorque. Embarca para o último trajecto da sua viagem, atravessando o Atlântico noutro porta-contentores, que demora sete dias a atingir o Reino Unido. Thomas Palin concluiu o seu desafio em precisamente 79 dias e sete horas.

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